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quarta-feira, 9 de março de 2011

CRÔNICA II

CRIANÇA TAMBÉM TEM ALMA.

- Ei, com licença, desculpe, não queria atrapalhar.
- Fique a vontade, uma companhia é sempre bem-vinda.
Cabeça baixa, sem jeito de olhar para cima, mãos escondidas no bolso, quando não segurando alguma coisa invisível, lábios esboçando um meio sorriso (existe meio sorriso?) meio sem jeito, meio sem forma, meio sem vida, apenas um meio sorriso.
Os degraus da Igreja vencidos heroicamente, e são apenas três; suas pernas pesam uma tonelada cada uma, seus braços parecem que carregam o mundo, suas mãos ao longo do corpo não esboçam nenhum gesto.
- Como vai?
Ouve alguém falar, será que ouviu ou gostaria de escutar?
- Sinta-se em casa, na casa do Pai.
Seu coração palpitou mais forte, pareceu-lhe ver e sentir, não tem certeza, sinceridade nestas palavras: “Jesus te ama”.
Mesmo assim, isolado, mergulhado no seu mundo, indaga-se mentalmente:
- O que estou fazendo aqui?
Música (hinos), alegria, descontração, palmas, assobios... Confuso pergunta-se:
- No céu, será que também é assim?
Idades, rostos, roupas, altura, multidão heterogênea, difusa, coesa, esquisita... um coral angelical. Louvores, júbilos, sorrisos e risos.
- Jesus, ah Jesus!
A liturgia do culto, as ministrações, a adoração da congregação, a mensagem, o banquete servido, a doce presença do Espírito Santo... Lembranças do passado sofrido e triste, duas lágrimas quentes rolam por sua face, o coração pesado e triste; o apelo, o ensejo de levantar a mão, mas...
- Você gostaria de dar a Jesus a chance de mudar sua vida?
Não se obtém a resposta desejada, ela fica presa na garganta e morre juntamente com uma lágrima quente e seca no seu coração e na sua alma.
- Não, estou bem assim, mesmo assim agradecido.
O apelo, a adoração, ah aquele momento fazia-o sentir-se no colo de sua mãe, quente, agradável, macio e seguro. Aquelas palavras eram como as mãos de seu pai acariciando seus cabelos dizendo-lhe: “Eu ti amo.”, ou mesmo envolvendo-o em um abraço mais forte que o mais duro aço.
- Jesus o convida e gostaria de...
- Já disse. Eu tenho Jesus em meu coração.
- Ele reina? É soberano?
Não estava preparado para aquela interrogação que não admitia questionamentos: “Cristo reina? Ele é Senhor? Não, absolutamente não.
Medo, escuro, tristeza, derrota, todos estes sentimentos o esmagavam, sua cabeça tomba sobre o peito, seu coração bate apressadamente, seus lábios querem gritar por socorro, mas não conseguem, nada lhe obedecem. Um grande vazio, do tamanho do mundo (não sei como se mede o vazio) e tão escuro e frio como a noite sem lua o envolve, seus ouvidos insistem em não ouvir o convite, mas seu coração não pode se furtar em ouvir a doce e suave voz do Criador.
- Filho meu, dei-te tudo de mim...
Questionamentos, perguntas sem respostas, seus argumentos tornam-se nulos; e seus dogmas, seus conceitos pré-concebidos para não dizer preconceitos o esmagam diante do Cristo crucificado.
- Filho meu, dei minha vida incondicionalmente, perdoei-te, substitui-te na cruz.
Diante da verdade absoluta todos os sofismas, conceitos e ponderações tornam-se irrelevantes e nulos. Jesus é Senhor, no céu e na terra, no tempo presente e na eternidade, antes e depois.
- Não insistirei neste apelo como se fosse um favor ou sacrifício inominável render-se a Jesus.
Parecia-lhe ver uma porta que pouco a pouco se ia fechando, diminuindo o facho irradiante de luz atrás de si. A porta parecia-lhe semi-aberta, tão longe e tão perto (não sei como é possível) e um caminho estreito, da largura de um pé sobreposto ao outro ladeado por espinhos e flores salpicadas de sangue. Não sabia explicar, mas via-se caminhando e ao longe risos (de crianças ou anjos), palmas, gritos, se ouvia, festa.
- ...
- O que está acontecendo. Tudo é novo para mim.
- Não se preocupe, apenas ajoelhe-se, pois de agora em diante é assim que você andará.
Luizão.